Tiago Tambelli
Especial para MUNDO
Geografia e Política Internacional ■ ANO 18 ■ Nº 5 ■ SETEMBRO/2010
A minha relação com Cuba começou em 2005
quando estive na Escola Internacional de Cinema e TV (EICTV), em San Antonio de
Los Baños, para estudar cinematografia.Conhecer a história revolucionária de
Cuba e estudar cinema era a combinação perfeita de uma viagem pelo tempo. As
imagens da revolução, comandada por Fidel Castro, estão no inconsciente de
muitos jovens da América Latina e do mundo e, além disso, Che Guevara era – e
continua sendo – um mito. E um dia tudo isso já foi cinema. Fiquei dois meses
na ilha e a maior parte na EICTV. Conheci muita gente interessante, de diversos
países. Nos finais de semana viajava para Havana. Conheci um povo muito
parecido com o brasileiro: alegre, festeiro, miscigenado e religioso.
Meus olhos estavam fascinados por aquela
gente e o seu jeito de ser.
O cubano é um ser “revolucionário”. Naquela
primeira viagem não tive (talvez realmente não quisesse ter) o senso crítico para
observar que estava diante de uma enorme contradição entre o ideal socialista e
a qualidade de vida dos cubanos. Hoje, não é preciso nenhuma análise social nem
entender de economia para afirmar que o Estado cubano está falido. Basta andar
pelas ruas de Havana para constatar isso.A Revolução Cubana foi um marco na formação
política da esquerda latino-americana.
O socialismo castrista poderia, talvez,vingar
em Cuba, não fosse a derrocada dos soviéticos. Passados mais de 50 anos, o
discurso socialista vive uma das piores crises: a crise de identidade. Muitos jovens
que não cresceram com o espírito da revolução começam a soltar um grito de
descontentamento, ainda tímido, clamando
por liberdade de expressão e justiça social. O regime não esperava que os meios
de comunicação, tão usados durante a revolução, seriam hoje uma arma “contrarrevolucionária”.
O cubano com acesso a internet passou a ser também personagem dessa história.
Blogs e mais blogs pipocaram no espaço virtual fora de Cuba. Acabei de chegar
de uma segunda viagem à ilha. Fui, por ironia do destino,convidado pelos
cineastas Peppe Siffredie Raphael Botino para “fotografar” o documentário O Último Discurso,
sobre os dissidentes políticos tive a oportunidade de conhecer o outro lado, o
dos gusanos (vermes), como são conhecidos aqueles
que pensam diferentemente do regime. Falamos com blogueiros, artistas,
dissidentes políticos,religiosos e gente do povo. Trouxemos um material
cinematográfico com uma visão plural sobre a realidade cubana atual. Não
tínhamos autorização do governo e, assim, trabalhamos de forma clandestina durante
12 dias. Entramos como turistas e saímos como turistas.Utilizamos equipamento
digital de pequeno porte. Dos entrevistados,há aqueles que querem matar Fidel
com as próprias mãos, há aqueles que são fidelistas, mas que gostariam deu ma
transformação social imediata,há aqueles que dizem que tudo não passa de uma
grande
mentira, que “a revolução envelheceu e se enfermou”.
Os assuntos que dominaram as
entrevistas foram liberdade de expressão e direitos humanos.Todos esses
assuntos não pertencem ao “cardápio” revolucionário de Cuba, se assim podemos
dizer.O governo não permite entidades não governamentais, imprensa independente
e opinião contrária.
As entrevistas foram feitas na moradia dos personagens.
Entrar e sair da casa de dissidentes políticos não é tarefa fácil, pois todos
eles são vigiados pela polícia. Confesso que esse foi o meu trabalho mais tense
paranóico. Nos rostos e nos gestos de cada entrevistado ficava impressa a
sensação de perigo. Em Cuba costuma-se dizer que há seis milhões de habitantes
e um milhão de policiais.
Pessoas que pensam diferente ou
gostariam de ser diferente daquilo que o regime determina são diretamente
classificadas como dissidente político, como pessoa que não ama a pátria e que
é mercenária.E, portanto, não merece viver em Cuba. Basta saber que os presos
de consciência, que foram encarcerados por Fidel Castro, durante a “primavera
negra” de 2003 e que neste momento estão sendo libertados e enviados para fora
do país, foram classificados como “desterrados”, ou seja, pessoas sem
pátria. Tais presos só conseguiram a liberdade com a condição de saírem de Cuba
– e de terem carimbado no passaporte a frase “volta indeterminada”.Os presos
políticos que não aceitaram
tais condições continuam presos.Durante a realização do
documentário fui abordado quatro vezes pela polícia por estar acompanhado de um
cubano. Em Cuba, estrangeiro é estrangeiro, e povo é povo. Não há mistura e/ou
algum tipo de relacionamento que o Estado permita. O clima de tensão é grande,
fora do âmbito turístico. Caminhar pelas ruas de Habana Vieja pode
ser uma aventura para os desavisados. As casas velhas e prédios decadentes
alimentam, de certa forma, a tristeza local.
Para a minha alegria, consegui
encontrar um documento histórico original: o álbum da Revolução Cubana.
Composto por 32 páginas e 268 figurinhas, ele mostra a história revolucionária
que vai de1952 ao “retorno triunfal de Fidel Castro à Havana”, em 1959. Mais ou
menos no meio do álbum uma página especial: as figurinhas que identificam os
principais líderes da revolução, entre eles Fidel e Raul Castro, Camilo
Cinfuegos e Ernesto “Che” Guevara. Escutar o lado dos chamados gusanos e tomar contato com sua realidade me
fizeram conhecer uma nova Cuba. Mesmo não podendo se expressar, muitos sonham
com o surgimento de uma nova nação inserida no mundo contemporâneo.
Tiago Tambelli é
documentarista e
diretor de fotografia. Trabalhou nos
documentários Mensageiras
da Luz –
Parteiras da Amazônia, de
Evaldo
Mocarzel, Napepe, de Nadja Marin,
Umbabarauma – o doc, de
Felipe Briso,
e São Paulo na Lata, de Guilherme
Valiengo, Marcelo Mesquita
e Pepe Siffredi
Nenhum comentário:
Postar um comentário