Mauro
Pereira
Anunciando a
chegada do final do 9º ano da Era da Mediocridade, o mês de dezembro teve um
início igual aos outros onze que o antecederam e tudo indica que terá o mesmo
desfecho. Denúncias de superfaturamento em obras da Copa do Mundo, desperdício
do dinheiro público em puxadões improvisados, a dor que não cessa da presidente
e a queda de mais um ministro, o 16º em nove anos de governo petista. Quinze
por envolvimento em atos de corrupção e um por problemas psicológicos. Nessa
mesmice indecorosa, dois fatos diferentes entre si, mas intimamente ligados, me
chamaram a atenção. Um pelo viés insólito. Outro pela dramaticidade implícita.
Recepcionados
por Hugo Chávez, sob o patrocínio da CELAC (Comunidade dos Estados
Latino-Americanos e Caribenhos), reuniu-se em Caracas a fina flor da democracia
imposta à América Latina e ao Caribe. Desfilaram sob os holofotes da imprensa
capitalista a ser censurada democratas excêntricos da estirpe dos Castros, dos
Morales, dos Correias, dos Ortegas, das Kirchners. Todos em torno do mesmo
ideal: socializar os latinos e caribenhos e capitalizar os dividendos
oferecidos pelo poder. Tanto os políticos como os econômicos.
Aquele
ajuntamento de tiranetes decadentes, cada um embalando o sonho de ter seu país
particular, uma imprensa companheira sensível às suas aspirações, a população
submetida a circo e a oposição à bala, aprovou por unanimidade moção que
celebra a hostilidade aos americanos do norte e vetou o ingresso dos Estados
Unidos e do Canadá na entidade. Decididos a garantir que a injustiça não
prospere em qualquer quadrante continental, negaram-se a abrigar no seio
imaculado da CELAC os regimes autoritários instaurados nas duas nações e
repudiaram com veemência o desrespeito aos direitos humanos sistêmico e a
corrupção endêmica que assolam aquelas aquelas paragens. Em nome dos
brasileiros que a elegeram, Dilma Rousseff assinou o documento final que
ridiculariza nossa inteligência e desdenha da fome que consome os
latinos-americanos e os caribenhos ao ameaçar com a expulsão os governos
autoritários e antidemocráticos do Canadá e dos EUA. Representante de uma
das democracias mais sólidas e evoluídas do planeta, coube ao presidente cubano
Raul Castro o privilégio de ser um dos primeiros a chancelar a farsa.
Contrapondo-se
à orgia democrática latino-caribenha, o Brasil tomava conhecimento de um drama
que se desenrolava em algum lugar do Maranhão. Seus personagens principais, o
apresentador de televisão Gugu Liberato e uma família de oito pessoas que
sobrevivia em condições sub-humanas representada por Maria, a mãe, precocemente
envelhecida pela miséria e Raimunda, a filha quase adolescente, cujo olhos
tristes não ousavam encarar seu interlocutor, talvez com medo de que ele
descobrisse alguma culpa que nunca fora sua ─ ou percebesse a vergonha que era
sua mas que jamais produzira. Ambas, mãe e filha, envilecidas pelo abandono.
De repente,
vi saltar ali na minha frente a realidade estampada nas pesquisas publicadas
pelo IBGE e pela UNICEF. Os números frios das estatísticas ganhavam vida,
rostos e nomes e revelavam, com todos os agravantes da degradação absoluta, a
condição de precariedade extrema que assola uma parcela significativa da
população brasileira. Morando com os sete filhos em um casebre de pau-a-pique
coberto por folhas de palmeira e equilibrado em paredes esburacadas que
ameaçavam ruir a qualquer momento, aquela brasileira valente sobrevive com o
auxílio-doença de uma de suas meninas. Seu corpo alquebrado já não agüenta
quebrar coco para prover o sustento. Sem rede de esgoto instalada e a fossa
séptica saturada, até aquele domingo que as redimiu, ela e sua prole usavam a
mata no fundo do quintal como banheiro e tinham no poço imundo ao lado da
palhoça a única possibilidade de saciarem, ainda que com a água contaminada, a
sede que as atormentavam e adoeciam.
Assim como
elas, teimam em resistir a essa realidade devastadora centenas de milhares de
Marias e Raimundas espalhadas por esse chão brasileiro. Sobrou somente a
dignidade que as mantém íntegras e prontas para enfrentarem com a mesma coragem
e resignação as adversidades que as martirizam, que as autoridades não veem e a
propaganda oficial exclui. Desnecessário dizer que esse quadro desolador não é
exclusividade só dos brasileiros.
Que a
sensibilidade caudilhesca da CELAC mire-se no exemplo dessas mulheres. Apenas
Marias e Raimundas. Se bolivianas, venezuelanas ou brasileiras, pouco importa.
Todas produtos inteiros de uma sub-américa macabra, despedaçada por super
ditadores e protagonizada por sub-presidentes. Sub-evos, sub-hugos, sub-dilmas.
Continuo a
não chorar por ti América Latina e chorarei menos ainda depois de consumada na
Venezuela essa aventura doidivana. Não és digna de sequer uma lágrima minha.
Não enquanto deres guarida a caudilhos e ditadores. Meu pranto e meu lamento eu
os dedico às Marias e Raimundas de todos os idiomas, de todos os sotaques, de
todas as nacionalidades.
É pouco,
quase nada, mas é o que me resta.
Tags: Dilma Rousseff, Era da Mediocridade, governo petista, Gugu Liberato, Hugo Chávez, Mauro Pereira, ministros
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