PERNAMBUCO
FALANDO PARA O NORDESTE E PARA O MUNDO:O
ART DÉCO E A ARQUITETURA DA RADIODIFUSÃO
Aline de Figueirôa Silva1
O
art déco vem sendo (re) visitado pela historiografia da arquitetura brasileira
e ainda comporta ilustres desconhecidos, primos pobres e ricos de uma generosa família
que se espalha pelo Brasil. A cada nova pesquisa, a cada nova publicação, nos
deparamos com casos análogos ou manifestações locais. A ocasião de elaboração deste
artigo revela, por um lado, traços de uma genealogia comum, e, por outro, traz à
tona exemplares praticamente desconhecidos, porém significativos para o acervo
de Pernambuco, quiçá do País.2 Propomos, então,
uma incursão pela arquitetura da radiodifusão em Pernambuco, privilegiando os
municípios do interior.
1 Arquiteta e Urbanista e Mestre em
Desenvolvimento Urbano pela UFPE, Professora do Curso de Graduação em
Arquitetura e Urbanismo da Faculdade do Vale do Ipojuca (Favip), onde coordena
o Laboratório da Imagem e a pesquisa História da Arquitetura no Agreste de Pernambuco.
Pesquisadora do Laboratório da Paisagem/UFPE.
Revista
UFG / Julho 2010 / Ano XII nº 8, págs. 52-54
A
partir de 1920, o Brasil entrava na era fonográfica e na era do rádio, que
viveu os anos dourados entre as décadas de 30 e 50, em meio ao clima de ebulição
política, social,artística e intelectual. A primeira emissão radiofônica do País
data de 7 de setembro de 1922,feita pelo presidente Arthur Bernardes como parte
dascomemorações do Centenário da Independência do Brasil (Comegno, 2008, p.
11-14). A rádio tornou-se um veículo de informação e entretenimento. Sediou
festivais e audições musicais, a radionovela, o radioteatro, programas de auditório,
transmissões educativas e esportiva se praticou o chamado “jornalismo de
utilidade pública”.
Em
1948, Francisco Pessoa de Queiroz, bacharel em Direito, diplomata, político e
dono do Jornal do Commercio,
inaugurou a Rádio Jornal do Commercio do Recife, disseminando o slogan “Pernambuco speaking to the world”.
A
partir de 1951, o empreendedor instalou quatro radio difusoras no interior, com
o slogan “Pernambuco falando para o Nordeste”, expandindo a radiodifusão na
região.
Em
Garanhuns, veio à luz a primogênita e, posteriormente, vieram as rádios de
Caruaru e Pesqueira – trigêmeas univitelinas –, e, por fim, a rádio de Limoeiro,
supostamente a caçula da família pernambucana e gêmea bivitelina.
Há,
entre pesquisadores pernambucanos, controvérsias quanto à autoria do projeto
arquitetônico das rádios do Recife e do interior. Creditamos o projeto da rádio
de Garanhuns e, logo, de Caruaru e Pesqueira, aos engenheiros Hugo Guimarães e
Paulo Pessoa de Queiroz (Jornal
do Commercio, 26.5.1951).
Nestas
três cidades, o complexo arquitetônico inclui auditório, estúdios, camarins,
salas de espera e direção, e transmissores, implantados em uma gleba onde se
erguia a monumental antena, presa ao solo por tirantes. O conjunto é delimitado
por um muro externo e adornado por um jardim na entrada. Solta no terreno, a
edificação é ricamente valorizada em todas as fachadas e emprega elementos à
moda streamline.
A diferenciação volumétrica corresponde à distinção funcional em planta baixa.
O volume vertical abriga uma pequena copa, o reservatório d’água e o maquinário
do relógio, de onde, através dastrês
janelas escotilhas, chega-se à coberta.
Cantos
arredondados, elementos escalonados, rasgos com janelas basculantes contínuas,
brises horizontais em argamassa de cimento e os caracteres tipográficos na fachada
e no auditório são marcas indeléveis do art déco e exprimem a velocidade das
modernas máquinas náuticas e aéreas. A coberta, revestida por telhas de
fibrocimento, está escondida por frisos de arremate da fachada.
O
relógio e a efígie de um índio, símbolo do Jornal
do Commercio e de identificação nacional, comparecem na fachada
frontal. O auditório comporta cerca de 500
cadeiras de madeira numeradas e ondulações na parede ao fundo do
palco, certamente para melhor efeito acústico.
Relevos
escultóricos nas alvenarias compõem sua decoração, retratando elementos da
flora regional, notas musicais e ondas hertzianas.
O
glamour da era de ouro derrama-se pelas juntas douradas dos pisos em granilite
preto e verde, portadas monumentais, luzes do muro e do relógio, prolongando-se
pela iluminação pública. O alto-falante, presente no mezanino da rádio de
Limoeiro, funcionava para a escuta das radionovelas.
Esta
rádio se diferencia em planta e implantação, pois ocupa um terreno em meio de
quadra, já que sua antena foi instalada no morro conhecido como Cruzeiro.
Possui ligação direta entre a rua e os camarins, garantindo acesso privativo
aos artistas, e um salão nobre, onde ocorriam eventos solenes. No pavimento
superior, encontram-se uma residência funcional e o maquinário do relógio.
Diversos
documentos antigos perdidos sinalizam seu caráter de utilidade pública, funcionando
como um ponto de Achados e Perdidos. As quatro rádios utilizam os mesmos
materiais construtivos, mobiliário, peças sanitárias, gabinetes para senhores e
senhorase
características do estilo, constituindo primorosos exemplares do art déco.
Ao
percorrê-las, fomos agraciados com valiosos depoimentos e pudemos colher
algumas reminiscências sobre coisas e fatos reveladores do seu passado. Apesar da
ação do tempo, novos usos mantêm vivo o antigo suporte em Pesqueira, Limoeiro e
Garanhuns. Estas conservam, enfim, os traços originais que lhes foram dados e
impõem sua volumetria na paisagem urbana. A rádio de Caruaru, a única tombada
pela Fundação do Patrimônio Histórico
e Artístico de Pernambuco, comporta as maiores modificações após a instalação
do Shopping e Empresarial Difusora. A Rádio Jornal do Recife literalmente tombou!
Deu lugar a um supermercado em 1989(Amorim, 2007, p. 67; 98).
Os
exemplares de Pesqueira e Limoeiro encontram-se bastante íntegros, conservando
mobiliário, alto-falantes, pisos, relevos, portões, basculantes, esquadrias,
bilheterias e maquinário originais, mantendo viva a atmosfera dos anos
dourados. A rádio de Limoeiro, atual Centro Cultural Ministro Marcos Vinícius
Vilaça, reduz a carência de espaços de convenção, eventos e solenidades na
cidade, uso que poderia ser potencializado em outros casos. A rádio de
Pesqueira abriga, no pequeno estúdio, a atual Rádio Jornal AM 1390.
É
admirável que esse conjunto arquitetônico permaneça de pé, uma vez que as rádios
enfrentaram a censura imposta pelo regime militar e a concorrência da televisão
a partir da década de 1960, que lhes roubava o elenco artístico e a audiência
noturna, e das FMs nos anos 70 e 80 (Comegno, 2008; Morais, Lima e Marques, 2004). As rádios pernambucanas são edificações
notáveis, que falam, agora, através de nossa interlocução, se não para o mundo,
ao menos para o Nordeste e para o Brasil. Ao (re) encontro, quem sabe, de
outros parentes desconhecidos...
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