segunda-feira, 7 de maio de 2012

PERNAMBUCO FALANDO PARA O MUNDO


PERNAMBUCO FALANDO PARA O NORDESTE E PARA O MUNDO:O ART DÉCO E A ARQUITETURA DA RADIODIFUSÃO





Aline de Figueirôa Silva1

O art déco vem sendo (re) visitado pela historiografia da arquitetura brasileira e ainda comporta ilustres desconhecidos, primos pobres e ricos de uma generosa família que se espalha pelo Brasil. A cada nova pesquisa, a cada nova publicação, nos deparamos com casos análogos ou manifestações locais. A ocasião de elaboração deste artigo revela, por um lado, traços de uma genealogia comum, e, por outro, traz à tona exemplares praticamente desconhecidos, porém significativos para o acervo de Pernambuco, quiçá do País.2 Propomos, então, uma incursão pela arquitetura da radiodifusão em Pernambuco, privilegiando os municípios do interior.

1 Arquiteta e Urbanista e Mestre em Desenvolvimento Urbano pela UFPE, Professora do Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Faculdade do Vale do Ipojuca (Favip), onde coordena o Laboratório da Imagem e a pesquisa História da Arquitetura no Agreste de Pernambuco. Pesquisadora do Laboratório da Paisagem/UFPE.

Revista UFG / Julho 2010 / Ano XII nº 8, págs. 52-54


A partir de 1920, o Brasil entrava na era fonográfica e na era do rádio, que viveu os anos dourados entre as décadas de 30 e 50, em meio ao clima de ebulição política, social,artística e intelectual. A primeira emissão radiofônica do País data de 7 de setembro de 1922,feita pelo presidente Arthur Bernardes como parte dascomemorações do Centenário da Independência do Brasil (Comegno, 2008, p. 11-14). A rádio tornou-se um veículo de informação e entretenimento. Sediou festivais e audições musicais, a radionovela, o radioteatro, programas de auditório, transmissões educativas e esportiva se praticou o chamado “jornalismo de utilidade pública”.

Em 1948, Francisco Pessoa de Queiroz, bacharel em Direito, diplomata, político e dono do Jornal do Commercio, inaugurou a Rádio Jornal do Commercio do Recife, disseminando o slogan “Pernambuco speaking to the world”.

A partir de 1951, o empreendedor instalou quatro radio difusoras no interior, com o slogan “Pernambuco falando para o Nordeste”, expandindo a radiodifusão na região.

Em Garanhuns, veio à luz a primogênita e, posteriormente, vieram as rádios de Caruaru e Pesqueira – trigêmeas univitelinas –, e, por fim, a rádio de Limoeiro, supostamente a caçula da família pernambucana e gêmea bivitelina.

Há, entre pesquisadores pernambucanos, controvérsias quanto à autoria do projeto arquitetônico das rádios do Recife e do interior. Creditamos o projeto da rádio de Garanhuns e, logo, de Caruaru e Pesqueira, aos engenheiros Hugo Guimarães e Paulo Pessoa de Queiroz (Jornal do Commercio, 26.5.1951).

Nestas três cidades, o complexo arquitetônico inclui auditório, estúdios, camarins, salas de espera e direção, e transmissores, implantados em uma gleba onde se erguia a monumental antena, presa ao solo por tirantes. O conjunto é delimitado por um muro externo e adornado por um jardim na entrada. Solta no terreno, a edificação é ricamente valorizada em todas as fachadas e emprega elementos à moda streamline. A diferenciação volumétrica corresponde à distinção funcional em planta baixa. O volume vertical abriga uma pequena copa, o reservatório d’água e o maquinário do relógio, de onde, através dastrês janelas escotilhas, chega-se à coberta.

Cantos arredondados, elementos escalonados, rasgos com janelas basculantes contínuas, brises horizontais em argamassa de cimento e os caracteres tipográficos na fachada e no auditório são marcas indeléveis do art déco e exprimem a velocidade das modernas máquinas náuticas e aéreas. A coberta, revestida por telhas de fibrocimento, está escondida por frisos de arremate da fachada.

O relógio e a efígie de um índio, símbolo do Jornal do Commercio e de identificação nacional, comparecem na fachada frontal. O auditório comporta cerca de 500 cadeiras de madeira numeradas e ondulações na parede ao fundo do palco, certamente para melhor efeito acústico.





Relevos escultóricos nas alvenarias compõem sua decoração, retratando elementos da flora regional, notas musicais e ondas hertzianas.

O glamour da era de ouro derrama-se pelas juntas douradas dos pisos em granilite preto e verde, portadas monumentais, luzes do muro e do relógio, prolongando-se pela iluminação pública. O alto-falante, presente no mezanino da rádio de Limoeiro, funcionava para a escuta das radionovelas.

Esta rádio se diferencia em planta e implantação, pois ocupa um terreno em meio de quadra, já que sua antena foi instalada no morro conhecido como Cruzeiro. Possui ligação direta entre a rua e os camarins, garantindo acesso privativo aos artistas, e um salão nobre, onde ocorriam eventos solenes. No pavimento superior, encontram-se uma residência funcional e o maquinário do relógio.

Diversos documentos antigos perdidos sinalizam seu caráter de utilidade pública, funcionando como um ponto de Achados e Perdidos. As quatro rádios utilizam os mesmos materiais construtivos, mobiliário, peças sanitárias, gabinetes para senhores e senhorase características do estilo, constituindo primorosos exemplares do art déco.

Ao percorrê-las, fomos agraciados com valiosos depoimentos e pudemos colher algumas reminiscências sobre coisas e fatos reveladores do seu passado. Apesar da ação do tempo, novos usos mantêm vivo o antigo suporte em Pesqueira, Limoeiro e Garanhuns. Estas conservam, enfim, os traços originais que lhes foram dados e impõem sua volumetria na paisagem urbana. A rádio de Caruaru, a única tombada pela Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco, comporta as maiores modificações após a instalação do Shopping e Empresarial Difusora. A Rádio Jornal do Recife literalmente tombou! Deu lugar a um supermercado em 1989(Amorim, 2007, p. 67; 98).

Os exemplares de Pesqueira e Limoeiro encontram-se bastante íntegros, conservando mobiliário, alto-falantes, pisos, relevos, portões, basculantes, esquadrias, bilheterias e maquinário originais, mantendo viva a atmosfera dos anos dourados. A rádio de Limoeiro, atual Centro Cultural Ministro Marcos Vinícius Vilaça, reduz a carência de espaços de convenção, eventos e solenidades na cidade, uso que poderia ser potencializado em outros casos. A rádio de Pesqueira abriga, no pequeno estúdio, a atual Rádio Jornal AM 1390.

É admirável que esse conjunto arquitetônico permaneça de pé, uma vez que as rádios enfrentaram a censura imposta pelo regime militar e a concorrência da televisão a partir da década de 1960, que lhes roubava o elenco artístico e a audiência noturna, e das FMs nos anos 70 e 80 (Comegno, 2008; Morais, Lima e Marques, 2004). As rádios pernambucanas são edificações notáveis, que falam, agora, através de nossa interlocução, se não para o mundo, ao menos para o Nordeste e para o Brasil. Ao (re) encontro, quem sabe, de outros parentes desconhecidos...

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