Sala de
provas do vestibular da FUVEST na Faculdade de Educação da USP, São Paulo/SP
(Eduardo Knapp/Folhapress)
Enquanto o Plano Nacional de Educação (PNE) 2001-2010 previa atingir a
meta de 30% de jovens em universidades, o número não passou de 14,4%
Branca Nunes
Embora se
note um certo imobilismo no universo de estudantes matriculados em cursos
universitários presenciais, aumentou consideravelmente a procura por cursos
tecnológicos e a distância
O Censo da
Educação Superior 2010 confirma que as estatísticas podem não mentir, mas quase
sempre omitem parte da verdade. Divulgado nesta segunda-feira, o estudo aponta,
por exemplo, que o número de matrículas no ensino superior aumentou 110% entre
2001 e 2010. Mas a papelada esquece de registar que o número de jovens (entre
18 e 24 anos) matriculados em cursos superiores cresceu apenas 2,4 pontos
percentuais no mesmo período – de 12%, em 2001, para 14,4%, em 2010, segundo
dados do próprio Ministério da Educação (MEC). Segundo o Plano Nacional de
Educação (PNE) 2001-2010, o governo federal pretendia chegar a 30%.
Como não
conseguiu atingir nem metade da porcentagem, o novo PNE, que faz previsões para
a próxima década, resolveu repetir a meta. Agora, espera-se atingir 33% de
jovens matriculados no ensino superior. Só que o prazo se estendeu até 2020.
“Quando observamos esses números, percebemos que ainda estamos engatinhando”,
constata Mozart Neves Ramos, membro do Conselho Nacional de Educação e
conselheiro do movimento Todos pela Educação. “O México e o Chile têm de 30% a
40% dos jovens no ensino superior. Na União Europeia, o número salta para 70%”.
A informação ajuda a explicar por que – apesar da chiadeira do governo federal
– o Brasil continua na 84ª posição no ranking do
Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).
A classe C -
Para Ramos, a baixa qualidade dos ensinos
fundamental e médio é uma das explicações para o reduzido número de jovens
brasileiros matriculados em universidades. Quando entram na universidade,
muitos estão despreparados para acompanhar as aulas e desistem facilmente. Em
março deste ano, numa entrevista ao site de VEJA, Eduardo Alcalay,
diretor-presidente da Universidade Estácio de Sá, contou que a faculdade
implantou aulas de reforço escolar de português e matemática para tentar mudar
tal realidade. Na mesma época, Heitor Pinto Filho, então reitor da Uniban,
revelou que a taxa de evasão chegava a 15% no primeiro ano – justamente porque
as aulas mais complexas eram incompreensíveis para alguns alunos.
Além do
déficit de aprendizado, as desistências no meio do curso universitário são
causadas por dificuldades financeiras e pelo próprio perfil do estudante da
classe C – público alvo das grandes universidades privadas do país. “Nosso
estudante padrão vem de uma classe social baixa e frequenta o curso noturno,
depois de ficar o dia inteiro no trabalho”, informou Pinto Filho. “A família
desse aluno sai de uma categoria D e vai para uma B justamente por causa desse
estudante. Na maioria das vezes, ele é a primeira pessoa a conseguir fazer uma
faculdade naquela casa”. Alcalay resume o objetivo das dessas instituições de
ensino: “O que queremos é que o aluno chegue aqui como um office boy que ganha
1.000 reais por mês e saia um analista contábil ganhando 3 mil reais”.
Presencial X à distância - O perfil desse novo estudante universitário é
exposto no censo 2010. Na última década, as matrículas em cursos noturnos, por
exemplo, passaram a representar 63,5% do total – contra 56,1% em 2000. Nas
instituições privadas, elas correspondem a 72,8% das matrículas. Embora se note
um certo
imobilismo no universo de estudantes matriculados em cursos universitários presenciais, aumentou consideravelmente a
procura por cursos tecnológicos e a distância. Em 2001, os cursos tecnológicos
registravam 69.797 matrículas. Em 2010, o número saltou para 781.609.
Hoje, a
modalidade não-presencial representa mais de 14% dos estudantes do ensino
superior. Segundo o censo, a faixa etária média desses alunos é de 33 anos
(contra 26 do ensino presencial). Isso significa que um contingente
significativo não teve chances de ingressar numa faculdade na idade adequada. A
procura também é explicada pela flexibilidade de horários, uma vez que muitos
já estão inseridos no mercado de trabalho.
“O Brasil se
tornou economicamente mais competitivo”, explica Célio Cunha, professor do
programa de doutorado na área de educação da Universidade de Brasília (UnB).
“Isso explica o aumento na procura por cursos tecnológicos, que têm como função
diminuir a carência de mão de obra especializada”. Embora elogie o aumento dos
cursos a distância, “uma tendência mundial”, Cunha adverte: “É preciso que eles
sejam avaliados com mão firme, para que possamos garantir a qualidade”.
Outro ponto
levantado pelo censo é que a participação percentual no número de matrículas
das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste aumentou de 2001 para 2010. Em
contrapartida, houve um decréscimo da participação das regiões Sudeste e Sul.
Enquanto o volume de nordestinos matriculados em universidades representava
15,2% do total do país há uma década, em 2010 foi de 19,3%. Os universitários
do Sudeste eram 51,7% em 2001. Em 2010, 48,7%. As mulheres continuam em
maioria: 56,3% em 2001 e, 10 anos depois, 57%.
O docente - Tanto Cunha quanto Ramos acreditam que a qualidade do ensino fundamental
e médio e, consequentemente, a do superior, só será alcançada com a valorização
do corpo docente. “A escola tornou-se desinteressante, os currículos estão defasados”,
argumenta Cunha. Ramos afirma que o magistério precisa se tornar uma carreira
atraente, o único caminho para se formar bons professores.
Ex-secretário
da educação de Pernambuco, Ramos insiste numa questão que considera
fundamental. “É preciso saber que faculdades diferentes têm missões
diferentes”, compara. “Não é necessário que todas as universidades tenham a
excelência em pesquisa de uma USP tem. Uma instituição localizada no interior
do Nordeste pode, por exemplo, formar professores para trabalharem naquela
zona. Isso não a desmerece”. É por isso, insiste, que deveria haver avaliações
diferentes para universidades públicas e privadas, ou mesmo para as diferentes
regiões brasileiras.
De acordo
com Ramos, o s 33% pretendidos pelo PNE só serão alcançados com essas três
mudanças básicas: maior qualidade dos ensinos fundamental e médio, qualificação
do corpo docente e avalições diferenciadas para as várias universidades. Quem
sabe assim as estatísticas se aproximarão um pouco mais da verdade.
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http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/verdades-e-mentiras-do-censo-da-educacao-superior
Acesso em 08.11.2011
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