quarta-feira, 25 de maio de 2011

Estatutos do Homem

Vi pela primeira o Estatuto do Homem em 1992. Estava em uma espécie de cartaz pendurado na parede de uma sala de espera. A princípio pensei que fosse uma lei ou coisa que o valha. Lendo o texto descobri que se tratava de uma obra poética de Thiago de Melo. O autor é um autêntico amazônida, arauto da floresta e defensor do meio ambiente. Caboclo amazonense de fala mansa e firme, desfecha raios candentes quando declama suas poesias. Amigo pessoal de Pablo Neruda, de quem traduz suas obras para o português, Thiago de Melo é o cancioneiro da Amazônia e legítimo representante dos povos da floresta.

Com vocês, Thiago de Melo:

Estatutos do Homem

Thiago de Melo

Art. 1º

Fica decretado que agora vale a verdade, que agora vale a vida e que de mãos dadas trabalharemos todos pela vida verdadeira.

Art. 2º

Fica decretado que todos os dias da semana, inclusive as terças-feiras mais cinzentas, têm o direito a converter-se em manhãs de domingo.

Art. 3º

Fica decretado que, a partir deste instante, haverá girassóis em todas as janelas, que os girassóis terão o direito a abrir-se dentro da sombra; e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro, abertas para o verde onde cresce a esperança.

Art. 4º

Fica decretado que o homem não precisará nunca mais duvidar do homem. Que o homem confiará no homem como o vento confia no ar, como o ar confia no campo azul do céu.

Parágrafo Único:

O homem confiará no homem, como um menino confia em outro menino.

Art. 5º

Fica decretado que os homens estão livres do jugo da mentira. Nunca mais será preciso usar a couraça do silêncio nem a armadura de palavras.

O homem se sentará à mesa com seu olhar limpo porque a verdade passará a ser servida antes da sobremesa.

Art. 6º

Fica estabelecida, durante dez séculos, a prática sonhada pelo profeta Isaías: e o lobo e o cordeiro pastarão juntos e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.

Art. 7º

Por decreto irrevogável fica estabelecido o reinado permanente da justiça e da claridade, e a alegria será uma bandeira generosa para sempre desfraldada na alma do povo.

Art. 8º

Fica decretado que a maior dor sempre foi e será sempre não poder dar-se amor a quem se ama e saber que é a água, que dá à planta o milagre da flor.

Art. 9º

Fica permitido que o pão de cada dia tenha no homem o sinal de seu suor. Mas que sobretudo tenha sempre o quente sabor da ternura.

Art. 10º

Fica permitido a qualquer pessoa, a qualquer hora da vida, o uso do traje branco.

Art. 11º

Fica decretado, por definição, que o homem é um animal que ama e que por isso é belo, muito mais belo que a estrela da manhã.

Art. 12º

Decreta-se que nada será obrigado nem proibido.

Tudo será permitido, inclusive brincar com os rinocerontes e caminhar pelas tardes com uma imensa begônia na lapela.

Parágrafo Único:

Só uma coisa é proibida: Amar sem amor.

Art. 13º

Fica decretado que o dinheiro não poderá nunca comprar o sol das manhãs vindouras.

Expulso do grande baú do medo, o dinheiro se transformará em uma espada fraternal para defender o direito de cantar e a festa do dia que chegou.

Art. Final:

Fica proibido o uso da palavra liberdade, a qual será suprimida dos dicionários e do pântano enganoso das bocas. A partir deste instante a liberdade será alvo vivo e transparente como um fogo ou um rio, ou como a semente do trigo, e a sua morada será sempre o coração do homem.

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