Geologia
Missão quer chegar até o centro da Terra em 2020
Consórcio internacional de cientistas planeja missão de um bilhão de dólares para perfurar a crosta terrestre e chegar ao manto. Com isso, pretendem decifrar antigos mistérios sobre a formação de nosso planeta
Guilherme Rosa
Um mês depois de o jipe-robô Curiosity pousar na Cratera Gale, em Marte,a
humanidade alcançou outro ponto tão inexplorado quanto o planeta
vermelho – mas sem um décimo do glamour e da publicidade recebida pela
sonda da Nasa. No dia 9 de setembro, o navio japonês Chikyu escavou um
buraco de 2.466 metros no fundo do mar e retirou amostras de rochas para
pesquisas sobre o interior de nosso planeta. É a maior profundidade já
atingida por uma missão científica e o mais próximo do manto terrestre
que o homem já chegou. No entanto, segundo os cientistas responsáveis
pelo projeto, essa missão é só um aperitivo de algo muito mais
ambicioso.
Até o começo da década de 2020, eles pretendem triplicar essa
distância, percorrendo seis quilômetros de rochas duras até atingir o
manto terrestre – a camada imediatamente abaixo da crosta, onde podem
estar guardados os segredos da formação do planeta e dos limites da
vida. A região, que possui 68% da massa da Terra, ainda é um mistério
para a ciência. “Perfurar até o manto é a missão mais desafiadora da
história das ciências da Terra”, escreveram os geólogos responsáveis
pelo projeto em um documento detalhando a escavação.
O valor total da empreitada é calculado em um bilhão de dólares. Tudo
isso para atravessar com tubos de aço 4.000 metros de água, 200 metros
de sedimentos e 5.500 metros de rochas basálticas. Depois de alcançar o
manto, será necessário percorrer todo o caminho de volta, carregando as
pedras a serem analisadas pelos cientistas (veja como será a missão no infográfico abaixo).
“O comprimento total da broca terá de ser de 10 quilômetros, e o
diâmetro do buraco, apenas 30 centímetros. Nem a ciência nem a indústria
já percorreram essa distância em meio a pedras, no meio do oceano. Esse
será nosso maior desafio”, disse Damon Teagle, pesquisador da
Universidade de Southampton e um dos idealizadores do projeto, em
entrevista ao site de VEJA.
Esforço internacional – A missão até o manto terrestre
faz parte dos planos traçados pelo Programa Integrado para a Escavação
do Oceano (IODP, na sigla em inglês) para os próximos dez anos. O
programa reúne cientistas de vários países do mundo, como Estados
Unidos, Japão e Austrália, com o objetivo de monitorar e coletar
amostras do fundo do mar. Desde agosto, o Brasil faz parte do projeto, e
cientistas do país devem estar em todas as missões do programa a partir
de 2013 — inclusive nas que buscam o centro da Terra.
Os pesquisadores já escolheram três possíveis locais para a escavação:
os mares ao redor do Havaí, da Califórnia ou da Costa Rica. Como a
crosta da Terra mede de quatro a seis quilômetros debaixo do oceano e
mais de trinta debaixo dos continentes, a missão terá de acontecer
necessariamente em alto mar. Para escolher as localidades exatas, os
pesquisadores tiveram de levar em conta fatores como idade e temperatura
do terreno e condições climáticas do local.
O navio usado na perfuração deve ser o mesmo Chikyu que bateu o recorde
de profundidade no mês passado. Ele foi desenvolvido por pesquisadores
japoneses em 2002 justamente para ser usado nas missões do IODP. Os
pesquisadores já adiantam que a equipe a bordo do navio deve enfrentar
grandes dificuldades para cumprir sua missão, como "escavar em uma
grande profundidade em pleno mar aberto, perfurar pedras extremamente
duras, retirar as amostras de rocha sem contaminá-las, enfrentar
temperaturas muito altas, chegando a mais de 300 graus Celsius, e
pressão incrivelmente forte", enumera Teagle.
Outro problema é a duração das brocas usadas pela equipe. Embora feitas
de uma dura mistura de carbeto de tungstênio (material três vezes mais
rígido que o aço) com diamantes, elas não resistem a mais de 60 horas de
trabalho, por causa do atrito com as rochas do centro do planeta. Até
2020, os pesquisadores devem encontrar modos de torná-las mais robustas e
duráveis, senão correm o risco de o processo de escavação se estender
por anos. Mas será que tanto esforço — e dinheiro gasto — vale a pena?
Qual o objetivo disso tudo?
A viagem sem fim ao centro da Terra – O principal
motivo para querer ir até o centro da Terra é simplesmente porque nunca
estivemos lá. Tudo que sabemos sobre essa região e o que ela significa
para a formação terrestre vem de evidências coletadas aqui na
superfície. "Não temos nenhuma amostra do manto da Terra para estudar – e
ele representa maior parte de nosso planeta", diz Teagle.
As primeiras evidências da existência do manto foram coletadas pelo
meteorologista croata Andrija Mohorovičić em 1909, quando ele percebeu
que as ondas sísmicas se moviam mais rápido abaixo dos 30 quilômetros de
profundidade do que nas camadas acima, prevendo que haveria aí uma
mudança na composição da Terra. A partir de rochas que chegaram até a
superfície durante o surgimento de ilhas e vulcões, os pesquisadores
sabem que a região é composta por minerais ricos em magnésio. "No
entanto, não sabemos a composição exata do manto, porque as amostras
foram alteradas pela reação química com a água do mar e o magma durante
sua jornada até a superfície”, afirma o pesquisador.
E é justamente na composição química dessas rochas que mora, segundo os
cientistas, a resposta para alguns dos segredos mais antigos da
ciência, como a origem de nosso planeta. "É a partir dessa análise que
poderemos saber como a Terra foi formada, como o planeta evoluiu a
partir disso e como ele funciona hoje", afirma Teagle. Os pesquisadores
ainda dizem que, ao visitar a região, vão poder entender quais os
limites da vida: em que condições de temperatura, pressão e acidez ela é
possível. "Podemos descobrir evidências de vida microbiana muito
profunda, no fundo da crosta. Ou, quem sabe, até no próprio manto."
Segundo os pesquisadores, a exploração do centro da Terra tem outra
semelhança com a exploração espacial, além da busca por territórios
desconhecidos e por evidências de vida: ela não tem limites definidos.
"Se conseguirmos atingir nosso objetivo, o próximo grande passo será
alcançar a divisão entre a camada mais rígida e a menos rígida do manto,
que se encontra a 150 quilômetros de profundidade, e está sob 1.300
graus Celsius", afirma Damon Teagle. Depois disso, existem mais 6.000
quilômetros totalmente inexplorados de rochas, magma e ferro. Assim como
no espaço, não parecem haver fronteiras para a exploração científica do
centro da Terra.
http://veja.abril.com.br/noticia/ciencia/missao-pretende-atingir-manto-terrestre-ate-2020
http://veja.abril.com.br/noticia/ciencia/missao-pretende-atingir-manto-terrestre-ate-2020
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