Entrevista de Olavo de Carvalho à Folha de São Paulo: "Cruzada anti-idiotas"
Escrito por MARCO RODRIGO ALMEIDA
| 09 Setembro 2013
Artigos -
Cultura
Novo livro de Olavo de Carvalho, que reúne ensaios publicados
em jornais e revistas, tornou-se um best-seller quase instantâneo. Em
entrevista, o filósofo radicado nos EUA analisa criticamente tanto a
esquerda brasileira como uma parte da "direita nascente", que ele diz
serem formadas e formadoras de idiotas.
O mínimo que todo mundo precisa saber para não ser um idiota não é
tão mínimo assim. Ao menos na visão de Olavo de Carvalho, ela engloba
quase 200 textos, espalhados por 616 páginas. Abarca uma miríade de
temas --como história, democracia, religião, ciência, linguagem,
educação, guerra (mas não só). Todo esse material, publicado
originalmente pelo filósofo em jornais e revistas entre 1997 e 2013, é
agora reunido em "O Mínimo que Você Precisa Saber para Não Ser um
Idiota" [Record; 616 págs.; R$ 51,90].
Felipe Moura Brasil foi responsável pela seleção do material. "E
agora o reparto com você, leitor, na esperança de que também se afaste
da condição de bichinho e se eleve à altura dos anjos", escreve o
jornalista na empolgada apresentação do volume.
Apontar um idiota, reconhece o livro, é tarefa fácil. Mais
difícil é não sê-lo, nem fazer papel de um. Na nada modesta cruzada de
livrar o leitor de toda forma de idiotice, o volume elege como alvo
principal o pensamento de esquerda que considera hegemônico no país.
Dispara contra políticos e intelectuais (também sobra munição
para a "direita nascente"), artistas, o MST, o movimento gay e as
recentes manifestações no país. O autor destas parcas linhas também leva
seu quinhão de farpas.
Olavo de Carvalho é um dos principais representantes do
pensamento conservador no Brasil. Publicou diversos livros ("O Imbecil
Coletivo", "O Futuro do Pensamento Brasileiro") e criou o site Mídia sem
Máscaras (www.midiasemmascara.org).
Seus textos e aulas on-line têm conquistado um público fiel ao
longo dos anos. O novo livro vendeu em apenas uma semana, segundo a
editora Record, 10 mil exemplares. Dos Estados Unidos, onde vive desde
2005, Olavo de Carvalho concedeu à Folha a seguinte entrevista por
e-mail.
Folha - O título do livro é um tanto provocativo, até mesmo
para atrair o leitor. Mas não seria pouco filosófico chamar de "idiota"
quem não compartilha certas ideias?
Olavo de Carvalho - Ninguém é ali chamado de idiota
por "não compartilhar certas ideias", e sim por pretender julgar o que
não conhece, por ignorar informações elementares indispensáveis e
obrigatórias na sua própria área de estudo ou de atuação intelectual.
Nesse sentido, creio ter demonstrado meticulosamente, neste e em
outros livros, que alguns dos principais líderes intelectuais da
esquerda brasileira, assim como uns quantos da direita nascente, são
realmente idiotas e fabricantes de idiotas.
O sr. comenta que a normalidade democrática é a concorrência
"efetiva, livre, aberta, legal e ordenada" entre direita e esquerda. Mas
também que todo esquerdista é "mau, sem exceção". Como é possível
equilibrar esses dois aspectos?
Depende do que você chama de esquerda. Há uma esquerda que aceita
concorrer democraticamente com a direita, sair do poder quando perde as
eleições e continuar disputando cargos normalmente sem quebrar as regras
do jogo. O Partido Trabalhista inglês é assim. Nosso antigo PTB era
assim. Disputavam o poder, mas sabiam que, sem uma oposição de direita,
perderiam sua razão de ser.
Há uma segunda esquerda que deseja suprimir a direita pela matança
dos seus representantes reais ou imaginários. Esta governa Cuba, a
China, a Coreia do Norte etc., assim como governou a URSS e os países
satélites.
Há uma terceira esquerda que, aliada da segunda, diverge dela em
estratégia: pretende conquistar primeiro a hegemonia, de modo que, nos
termos de Antonio Gramsci, o seu partido se torne "um poder onipresente e
invisível, como um mandamento divino ou um imperativo categórico"; e,
em seguida, tendo controlado a sociedade por completo, apossar-se do
Estado quando já não haja nem mesmo a possibilidade remota de uma
oposição de direita. Só aí virá um toque de violência, para dar
acabamento à obra-prima.
A existência da primeira esquerda é essencial ao processo
democrático. A segunda e a terceira devem ser expulsas da política e dos
canais de cultura porque sua essência mesma é a supressão de todas as
oposições pela violência ou pela fraude e porque se infiltram na
primeira esquerda, corrompendo-a e prostituindo-a.
Ninguém pode apoiar esse tipo de esquerda por "boa intenção". Você já
viu algum militante dessa esquerda sonhar em implantar o socialismo e
depois ir para casa e viver como um humilde operário do paraíso
socialista? Eu nunca vi.
Cada militante se imagina um futuro primeiro-ministro ou chefe da
polícia política. Quando matam, é para conquistar o direito de matar
mais, de matar legalmente. São porcos selvagens --sem ofensa aos mimosos
animais.
O sr. argumenta que o brasileiro é maciçamente conservador,
mas desprovido de representação política. Por que não temos políticos e
partidos que tomem tal bandeira?
Já está respondido na pergunta anterior. O método da "ocupação de
espaços" realizou no Brasil o ideal gramsciano de fazer com que todo
mundo nas classes falantes seja de esquerda mesmo sem sabê-lo, de modo
que toda ideia que pareça "de direita" já seja vista, instintivamente,
sob uma ótica deformante e caluniosa, com chances mínimas ou nulas de
argumentar em defesa própria.
Suas próprias perguntas ilustram o sucesso dessa operação no Brasil.
Você pode não ser um militante de esquerda, mas raciocina como se fosse,
porque na atmosfera mental criada pela hegemonia esquerdista isso é a
única maneira "normal" de pensar, às vezes a única maneira conhecida.
Por isso, você, ao formular as perguntas, fala em nome dos meus
críticos de esquerda, como se eles, e não o público que gosta do que
escrevo, fossem os juízes abalizados aos quais devo satisfações.
Suas ideias podem ser consideradas de direita?
Algumas sim, outras não. Nem tudo no mundo cabe numa dessas
categorias. Você não viu a turma da direita enfezada cair de paus e
pedras em cima de mim quando afirmei que homossexualismo não é doença
nem "antinatural"? É ridículo tomar uma posição ideológica primeiro e
depois julgar tudo com base nela por mero automatismo, embora no Brasil
de hoje isso seja obrigatório.
Em quais pontos suas ideias podem ser classificadas de direita e em quais não?
Não tenho a menor ideia, nem me interessa. O coeficiente de
esquerdismo ou direitismo está antes nos olhos do observador e varia
conforme as épocas e os lugares.
Só gente muito estúpida --isto é, a esquerda brasileira praticamente
inteira-- imagina que direita e esquerda são categorias metafísicas
imutáveis, a chave suprema para a catalogação de todos os pensamentos.
Outros, principalmente na direita, dizem que direita e esquerda não
existem mais, o que é também uma bobagem, porque basta uma corrente se
autodefinir como "de esquerda" para que todos os que se opõem a ela
passem a ser julgados como se fossem a "direita", querendo ou não. A
esquerda define-se a si mesma e define seu adversário, por menos que
este se encaixe objetivamente na definição.
Nos EUA, alinho-me nitidamente à direita, porque ela existe como
agente histórico, é definida e é autoconsciente, mas no Brasil essas
coisas são uma confusão dos diabos na qual prefiro não me meter. O sr.
Lula não foi, na mesma semana, homenageado no Fórum Econômico de Davos
por sua adesão ao capitalismo e no Foro de São Paulo por sua fidelidade
ao comunismo?
A última moda na esquerda nacional é cultuar o russo Alexandre
Duguin, que é o suprassumo do reacionarismo, enquanto na "direita
liberal" muitos adoram abortismo e casamento gay, pontos essenciais da
estratégia esquerdista. Prefiro manter distância da direita brasileira,
seja isso lá o que for.
No capítulo sobre o golpe de 64, o senhor diz que Castelo
Branco foi "um grande presidente", e Médici, "o melhor administrador que
já tivemos". Comenta ainda que está na hora de repensar o governo
militar. Qual é sua opinião hoje?
No Brasil de hoje não se pode louvar um mérito específico e limitado
sem que imediatamente a plateia idiota transforme isso numa adesão
completa e incondicional. Neste país, as pessoas, mesmo com algo que
chamam de "formação universitária", só sabem louvar ou condenar em
bloco, perderam totalmente o senso das comparações, das proporções e das
nuances. Isso é efeito de 30 anos de deseducação.
Os méritos dos governos militares no campo econômico, administrativo e
das obras públicas são óbvios e, comparativamente, bem superiores a
tudo o que veio depois. Ao mesmo tempo, esses governos destruíram a
classe política, infantilizaram os eleitores e, por timidez caipira de
entrar na guerra ideológica ostensiva, preferiram matar comunistas no
porão (embora em doses incomparavelmente menores do que os próprios
comunistas matavam em Cuba ou no Camboja) em vez de mover uma campanha
de esclarecimento popular sobre os horrores do comunismo. Tudo isso foi
uma miséria.
Foi o que eu sempre disse, mas, hoje em dia, se você reconhece uma
pontinha de mérito em alguém, já o transformam em devoto partidário
dele. Não distinguem nem mesmo entre aplaudir um governo enquanto ele
está no poder e tentar avaliá-lo com algum senso de objetividade
histórica depois de extinto, mesmo se você, como foi o meu caso, o
combateu enquanto durou. O fanatismo idiota tornou-se obrigatório. É
disso que o meu livro fala.
O sr. é bastante crítico ao movimento gay. Não acredita que ele foi o responsável por conquistas importantes?
No começo, quando lutava apenas contra a discriminação e a violência
anti-homossexual, esse movimento parecia bom e necessário. Mas isso foi
só a fachada, a camuflagem do que viria depois: um projeto de dominação
total que proíbe críticas e não descansará enquanto não banir a religião
da face da Terra ou criar em lugar dela uma pseudorreligião biônica,
dócil às suas exigências.
O que o sr. pensa sobre o projeto da cura gay?
Ninguém pede ajuda a um psicólogo para livrar-se de uma conduta
indesejada se é capaz de controlá-la pessoalmente ou se não quer
abandoná-la de maneira alguma. Quando alguém vai a uma terapia com o
propósito de livrar-se do homossexualismo, é porque não o vivencia como
uma tendência natural da sua pessoa, e sim como uma compulsão neurótica
que o escraviza.
É bem diferente de alguém que é homossexual porque quer, ou de alguém
que deixou de ser homossexual porque quis e teve forças para isso.
Proibir o tratamento de uma compulsão é torná-la obrigatória, é fazer de
um sintoma neurótico um valor protegido pelo Estado. É uma ideia criada
por psicopatas e aplaudida por histéricos.
O sr. apoiou a invasão do Iraque em 2003. Nos anos seguintes,
vários abusos e atrocidades dos soldados americanos foram divulgados.
Acredita que, no saldo geral, a guerra foi positiva?
Não apoiei a invasão do Iraque. De início fui contra. Foi só depois,
quando os americanos começaram a exumar os cadáveres das vítimas de
Saddam Hussein e viram que eram mais de 300 mil, que comecei a achar que
a guerra era moralmente justificável.
Das tais "atrocidades americanas", a maioria é pura invencionice, e
as genuínas, inevitáveis em qualquer guerra, nem de longe se comparam ao
que Saddam Hussein fez contra o seu próprio povo em tempo de paz.
A guerra, em si, foi positiva do ponto de vista moral, mas a
tentativa de forçar o Iraque a adotar uma democracia de tipo ocidental
foi ridícula e suicida. A primeira Guerra do Golfo foi bem-sucedida
porque se limitou às metas militares, sem sonhos "neocons" de reformar o
mundo.
E como o sr. avalia as recentes manifestações em cidades do Brasil?
Tudo começou como uma tentativa de golpe, planejada pelo Foro de São
Paulo [coalizão de partidos de esquerda latino-americanos] e pelo
governo federal para fazer um "upgrade" no processo revolucionário
nacional, passando da fase de "transição" para a da implantação do
socialismo "stricto sensu".
Isso incluía, como foi bem provado, o uso de gente treinada em
guerrilha urbana para espalhar a violência e o medo e lançar as culpas
na "direita". Aconteceu que os planejadores perderam o controle da coisa
quando toda uma massa alheia à esquerda saiu às ruas, e eles decidiram
voltar atrás e esperar por uma chance melhor. Isso foi tudo. Não há um
só líder da esquerda que não saiba que foi exatamente isso.
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