sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

OS GUSANOS DE CUBA



Tiago Tambelli
Especial para MUNDO Geografia e Política Internacional ANO 18 Nº 5 SETEMBRO/2010

         A minha relação com Cuba começou em 2005 quando estive na Escola Internacional de Cinema e TV (EICTV), em San Antonio de Los Baños, para estudar cinematografia.Conhecer a história revolucionária de Cuba e estudar cinema era a combinação perfeita de uma viagem pelo tempo. As imagens da revolução, comandada por Fidel Castro, estão no inconsciente de muitos jovens da América Latina e do mundo e, além disso, Che Guevara era – e continua sendo – um mito. E um dia tudo isso já foi cinema. Fiquei dois meses na ilha e a maior parte na EICTV. Conheci muita gente interessante, de diversos países. Nos finais de semana viajava para Havana. Conheci um povo muito parecido com o brasileiro: alegre, festeiro, miscigenado e religioso.
Meus olhos estavam fascinados por aquela gente e o seu jeito de ser.
O cubano é um ser “revolucionário”. Naquela primeira viagem não tive (talvez realmente não quisesse ter) o senso crítico para observar que estava diante de uma enorme contradição entre o ideal socialista e a qualidade de vida dos cubanos. Hoje, não é preciso nenhuma análise social nem entender de economia para afirmar que o Estado cubano está falido. Basta andar pelas ruas de Havana para constatar isso.A Revolução Cubana foi um marco na formação política da esquerda latino-americana.
O socialismo castrista poderia, talvez,vingar em Cuba, não fosse a derrocada dos soviéticos. Passados mais de 50 anos, o discurso socialista vive uma das piores crises: a crise de identidade. Muitos jovens que não cresceram com o espírito da revolução começam a soltar um grito de descontentamento, ainda tímido,         clamando por liberdade de expressão e justiça social. O regime não esperava que os meios de comunicação, tão usados durante a revolução, seriam hoje uma arma “contrarrevolucionária”. O cubano com acesso a internet passou a ser também personagem dessa história. Blogs e mais blogs pipocaram no espaço virtual fora de Cuba. Acabei de chegar de uma segunda viagem à ilha. Fui, por ironia do destino,convidado pelos cineastas Peppe Siffredie Raphael Botino para “fotografar” o documentário O Último Discurso, sobre os dissidentes políticos tive a oportunidade de conhecer o outro lado, o dos gusanos (vermes), como são conhecidos aqueles que pensam diferentemente do regime. Falamos com blogueiros, artistas, dissidentes políticos,religiosos e gente do povo. Trouxemos um material cinematográfico com uma visão plural sobre a realidade cubana atual. Não tínhamos autorização do governo e, assim, trabalhamos de forma clandestina durante 12 dias. Entramos como turistas e saímos como turistas.Utilizamos equipamento digital de pequeno porte. Dos entrevistados,há aqueles que querem matar Fidel com as próprias mãos, há aqueles que são fidelistas, mas que gostariam deu ma transformação social imediata,há aqueles que dizem que tudo não passa de uma grande
mentira, que “a revolução envelheceu e se enfermou”.
Os assuntos que dominaram as entrevistas foram liberdade de expressão e direitos humanos.Todos esses assuntos não pertencem ao “cardápio” revolucionário de Cuba, se assim podemos dizer.O governo não permite entidades não governamentais, imprensa independente e opinião contrária.
As entrevistas foram feitas na moradia dos personagens. Entrar e sair da casa de dissidentes políticos não é tarefa fácil, pois todos eles são vigiados pela polícia. Confesso que esse foi o meu trabalho mais tense paranóico. Nos rostos e nos gestos de cada entrevistado ficava impressa a sensação de perigo. Em Cuba costuma-se dizer que há seis milhões de habitantes e um milhão de policiais.
Pessoas que pensam diferente ou gostariam de ser diferente daquilo que o regime determina são diretamente classificadas como dissidente político, como pessoa que não ama a pátria e que é mercenária.E, portanto, não merece viver em Cuba. Basta saber que os presos de consciência, que foram encarcerados por Fidel Castro, durante a “primavera negra” de 2003 e que neste momento estão sendo libertados e enviados para fora do país, foram classificados como “desterrados”, ou seja, pessoas sem pátria. Tais presos só conseguiram a liberdade com a condição de saírem de Cuba – e de terem carimbado no passaporte a frase “volta indeterminada”.Os presos políticos que não aceitaram
tais condições continuam presos.Durante a realização do documentário fui abordado quatro vezes pela polícia por estar acompanhado de um cubano. Em Cuba, estrangeiro é estrangeiro, e povo é povo. Não há mistura e/ou algum tipo de relacionamento que o Estado permita. O clima de tensão é grande, fora do âmbito turístico. Caminhar pelas ruas de Habana Vieja pode ser uma aventura para os desavisados. As casas velhas e prédios decadentes alimentam, de certa forma, a tristeza local.
Para a minha alegria, consegui encontrar um documento histórico original: o álbum da Revolução Cubana. Composto por 32 páginas e 268 figurinhas, ele mostra a história revolucionária que vai de1952 ao “retorno triunfal de Fidel Castro à Havana”, em 1959. Mais ou menos no meio do álbum uma página especial: as figurinhas que identificam os principais líderes da revolução, entre eles Fidel e Raul Castro, Camilo Cinfuegos e Ernesto “Che” Guevara. Escutar o lado dos chamados gusanos e tomar contato com sua realidade me fizeram conhecer uma nova Cuba. Mesmo não podendo se expressar, muitos sonham com o surgimento de uma nova nação inserida no mundo contemporâneo.

Tiago Tambelli é documentarista e
diretor de fotografia. Trabalhou nos
documentários Mensageiras da Luz –
Parteiras da Amazônia, de Evaldo
Mocarzel, Napepe, de Nadja Marin,
Umbabarauma – o doc, de Felipe Briso,
e São Paulo na Lata, de Guilherme
Valiengo, Marcelo Mesquita
e Pepe Siffredi

sábado, 17 de dezembro de 2011

A QUESTÃO HISTÓRICA E CULTURAL


CAPÍTULO 4

O EMPUXO HISTÓRICO E CULTURAL

Os chineses sentem que têm contas a acertar com o seu passado, e isso torna sua ascensão mais obstinada, sua tolerância por sacrifícios maior e sua determinação de voltar a rivalizar com as potências coloniais que humilharam a China ainda mais sólida.


A escola de pequim  Cuja diretora nunca faltou em 32 anos de trabalho.
No meu terceiro dia na China, nosso taxista estava ouvindo um programa de rádio que, pelo tom lento e voz pausada do narrador, me chamou atenção. Perguntei à tradutora do que se tratava e ela me disse que era uma aula de história sobre a dinastia Ming (1368-1644). Imagino que a China seja o único país do mundo em que essa cena possa acontecer. É um país completamente embebido em sua longuíssima história. Quando a dinastia Ming começou, o Brasil ainda era mata virgem e a Europa era uma colcha de principados feudais na Idade das Trevas, mas a China já era um império unificado havia 1500 anos, já tendo passado por dois períodos de apogeu — as dinastias Han (206 a.C. a 220) e Tang (618-907) — e inventado a pólvora, o papel-moeda e a impressão por prensa móvel.. Ajuda muito, portanto, um passado de glórias intelectuais e de apreço pelo estudo e pela disciplina. Graças a seus sábios oficiais, os mandarins, a China foi uma potência mundial, muito superior aos povos vizinhos, que tratava como bárbaros ou súditos, jamais como rivais. Voltar a ser uma potência pelo poder do estudo e do intelecto é para a China apenas uma volta ao passado glorioso. 

CAPÍTULO 5

AS POLÍTICAS PÚBLICAS

Sob Mao Tsé-tung, o estado chinês tentou sufocar o pensamento, a técnica e o saber. Chamaram essa loucura de Revolução Cultural. Agora o esforço é todo na direção correta.
O baixo custo relativo é o maior contraste do caso brasileiro com a arrancada chinesa rumo a uma educação que leve o país ao posto de potência mundial de primeira linha. Em 2009, o governo chinês gastou 3,6% do PIB em educação. O setor educacional público brasileiro aumentou seu gasto de 4,1% para 5,3 % do PIB nos últimos sete anos e, mesmo com a qualidade do ensino não tendo melhorado em nível remotamente semelhante, a propaganda oficial continua aferrada a esses números como a um triunfo definitivo. Não é.  O limite da profundidade do nosso debate sobre educação parece se esgotar na discussão da meta de gastos. Estaremos gastando  7%  ou 10% do PIB  em educação daqui a dez anos? 
A China sacrifica as ideologias sempre que elas conflitam com a busca de resultado. Na educação, isso se expressa na definição do papel do professor. A China se deu conta de que precisava de professores bons e em grande quantidade. Dadas suas carências, montou um sistema em que o professor sai da faculdade mediano, e então é constantemente trabalhado e ajudado para que consiga ministrar aulas excepcionais. Um sistema em que os bons professores e as boas escolas subjugam os maus mestres das escolas ruins. Os chineses entenderam que é melhor ter quarenta alunos com um bom professor do que duas turmas de vinte, uma bem ensinada e outra sob a batuta de um incapaz. O professor é o centro gravitacional de todo o sistema. Pragmatismo, meritocracia, professores bem formados e premiados com dinheiro pelo bom desempenho, estudantes disciplinados e motivados por suas famílias. Essa é a fórmula do combustível da arma secreta chinesa para conquistar o mundo: a educação.

A SALA DE AULA E OS PROFESSORES


Capítulo 2

A SALA DE AULA

A escola tem de ser limpa, silenciosa, simples e eficiente
Três grandes diferenças saltam aos olhos em relação às salas de aula do Brasil. A primeira é que, tanto em Xangai quanto em Pequim, há uma bandeira nacional sobre todo quadro-negro. A segunda é o uso constante do soft-ware de apresentação Power Point. A terceira é a vassoura e a pá no fundo de todas as salas. Antes de irem para casa, os alunos têm de deixar a sala de aula limpa. Equipes de limpeza só agem nas áreas comuns.
Acompanhei várias aulas de diversas séries. A liturgia é a mesma.  A professora nunca se atrasa, nem os alunos. A professora, de pé, se inclina em direção à classe e diz: “Bom dia, alunos”. Os alunos, então, se levantam, se inclinam em direção à professora e, em uníssono, respondem: “Bom dia, professora”. Não há “turma do fundão”, conversas paralelas nem problemas de disciplina. Para quem está acostumado com salas de aula em que uma minoria presta atenção e vários outros grupelhos paralelos se formam, cada qual falando sobre o seu assunto, é um espanto ver uma sala de aula com rigor chinês. No Brasil ainda se confunde ordem com autoritarismo e a desordem é confundida com liberalidade. Dessa confusão mental dificilmente sai uma aula que preste. 
Também não há chamada nas aulas chinesas. Cada turma tem um professor  encarregado do contato aprofundado com os alunos e sua família. Uma vez por dia, em horário aleatório, o professor responsável passa pela turma. Se nota uma ausência, ele telefona para os pais do faltante. É um detalhe simples, mas pense em seu efeito. Se um professor tem oito períodos por dia e gasta, digamos, três minutos fazendo a chamada, quase meia hora de aula do dia terá sido desperdiçada com a verificação de presença. 


CAPÍTULO 3

OS PROFESSORES

São todos adeptos do gênio Albert Einstein: o sucesso vem de 1% de inspiração e de 99% de transpiração
Fotos: AFP e Imagine China

Fábricas da lenovo e da apple na china
Em trinta anos uma nação agrária e sem tradição industrial tornou-se um forte polo de tecnologia digital do mais alto grau de excelência. A meta é superar a fase da manufatura e ombrear com os Estados Unidos em software e conteúdo
Se raramente um aluno falta, um professor, nunca. Cui Minghua, 55 anos, diretora de escola em Pequim, contou-me estar na carreira há 32 anos, dos quais mais de vinte como professora. Em todo esse tempo, tirou uma única licença médica para se submeter a uma operação. Fora isso, jamais deixou de cumprir seu dever diário de educar.
Não há nada de especial na carreira de professor em Xangai.O salário não é exatamente atraente. Nos três primeiros anos de carreira, fica entre 30000 e 40000 iuanes por ano, ou algo entre 400 e 500 dólares por mês, quase metade da renda média salarial da região. Nessa fase, muitos professores recorrem a outros trabalhos para complementar a renda. Os melhores podem até dobrá-la dando aulas particulares ou em escolas de reforço. Os professores de nível médio recebem 72000 iuanes por ano. Os melhores entre eles ganham 90000. Os bônus por desempenho acima da média podem chegar a 40% do valor do salário. Mas lá, assim como cá, ninguém se torna professor pelo salário. . Mas lá, assim como cá, ninguém se torna professor pelo salário.
As diferenças com o Brasil começam na formação do professor. São três grandes diferenças. A primeira é que, na China, a prática de sala de aula se faz muito mais presente do que no Brasil. Ela começa já no segundo ano do curso, quando o futuro professor acompanha aulas em escolas regulares duas vezes por semana durante oito semanas e depois faz estágio de meio ano no penúltimo semestre do curso. A segunda é que as escolas chinesas são mais pragmáticas e diversificadas na escolha de seus pensadores pedagógicos. Há um esforço constante de se abrir ao mundo e ver o que funciona, e pinçar de cada lugar as melhores idéias. O Brasil ainda é dominado quase inteiramente pelo construtivismo. A terceira, e mais decisiva, é a ideologia. Nas escolas chinesas os estudantes têm seu momento diário patriótico e de louvação do Partido Comunista, mas, findo esse ritual, a ideologia sai de cena. No Brasil, os professores são formados em universidades tisnadas por ideologias de esquerda e instados a nunca ser “neutros”, nem nas aulas de matemática ou de física. E eles acreditam nisso. É o desastre costumeiro.
As universidades chinesas entregam professores competentes ao mercado, mas o que os torna excepcionais é o ritmo intenso e colaborativo de trabalho ao qual se submetem quando chegam às escolas. Aí eles passam a integrar um “grupo de estudos dos professores”, que é sem dúvida a inovação mais importante da educação chinesa. Cada professor faz parte de três grupos de estudo. Um com os colegas que ensinam a mesma matéria para a mesma série, que se encontra uma vez por semana para preparar as aulas. O segundo grupo é formado pelos colegas de disciplina de todas as séries da mesma escola. Esse se encontra duas vezes ao mês. O terceiro é formado pelos professores da mesma disciplina e série do seu bairro, que também se encontra duas vezes por mês. Nesses dois últimos grupos, o objetivo é compartilhar práticas de ensino de sucesso. Somando os três grupos, é um regime exigente: são duas reuniões por semana, toda semana. A maioria desses encontros leva entre duas e três horas.
O papel desses grupos é fundamental. Faz com que as melhores técnicas sejam rapidamente compartilhadas em toda a rede, cria uma saudável competição entre professores (os portadores das melhores práticas recebem bônus) e ao mesmo tempo provê uma rede de apoio e compartilhamento para todos os professores, ao contrário do isolamento e do desamparo que vitimam seus colegas brasileiros.